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Biografia de Léon Paul Choffat (1849-1919)

Nasceu este grande geólogo em Porrentruy (Suiça), a 14 de Maio de 1849.

Passou a infância junto de sua família, que era oriunda de Soubey (Jura) e fez os primeiros. estudos bem como os secundários na sua terra natal.

Seu pai, que era um espírito, previdente e essencialmente pratico, entendia que devia preferir uma profissão que lhe garantisse o bem estar e a independência, levando-o em 1868 a empregar se numa casa bancária de Besançon, onde permaneceu três anos.

Pode dizer-se quê data desta época a sua vocação científica. Besançon foi a sua estrada de Damasco. As relações que estabeleceu e cultivou naquela cidade com geólogos e naturalistas franceses que o apresentaram na Société d’ Emulation du Doubs, revelaram como um reagente numa chapa fotográfica impressionada, a sua manifesta e natural tendência para os estudos geológicos.

Encontrando-se mais tarde em, situação financeira desafogada e podendo portanto dispensar os vencimentos que auferia no seu lugar comercial, deu largas à sua nobre ambição de saber, indo residir era Zurique, onde se matriculou no Curso de Química e de Ciências Naturais da Universidade e da Escola Politécnica Federal. A maneira distinta e brilhante como se houve na frequência do seu curso é comprovada pelas altas provas de consideração que sempre recebeu dos seus professores, entre, os quais se encontravam Escher de la Linth e A. Heim e sobretudo pela sua honrosa nomeação, em 1876, de professor agregado de Paleontologia animal.

As excursões que fez nos primeiros anos da sua vida científica, realizaram-se especialmente sobre o Jura francês proporcionavam-lhe um conhecimento intimo e sólido dos terrenos jurássicos, que mais tarde, em Portugal havia de explorar, estudar e classificar tão distintamente.

Tendo-se relacionado em Paris com o grande mestre Carlos Ribeiro, por ocasião da reunião naquela, cidade, em, 1878, do Congresso Internacional de Geologia, foi por este geólogo animado e convidado a visitar o nosso pais com o fim especial de estudar a estratigrafia dos nossos terrenos jurássicos.

Apaixonado pela geologia e por tudo que com esta ciência se relacionava, agradou-lhe sobremaneira o convite de Carlos Ribeiro. Acrescia ao natural desejo de estudar num país ainda pouco explorado sob este ponto de vista científico, um ramo da especialidade que versava uma circunstância que recomendava ainda a viagem e lhe realçava o interesse. Os médicos aconselharam-lhe a permanência durante alguns meses num clima temperado como o da Andaluzia ou da Argélia para recuperar a saúde ou conseguir melhoras estáveis de uma pertinaz doença de faringe de que sofria e se tornara crónica. A vinda a Portugal satisfazia as prescrições clínicas. Decidiu-se. Foi mais um serviço a inscrever na longa lista dos que prestou Carlos Ribeiro.

Chegou Paul Choffat a Portugal em Outubro, de 1878, sendo aqui amavelmente recebido não só pelo promotor da viagem, mas pelo notável geólogo J. F. Nery Delgado, os quais por todas as formas proporcionaram a tão ilustre hóspede, os meios de poder estudar como desejava, a estratigrafia e a paleontologia dos terrenos jurássicos portugueses, trabalhos que já tinham sido começados por Carlos Ribeiro e que lhe serviram de base à publicação da primeira carta geológica em 1876.

Desinteressadamente Choffat entregou-se de alma e coração a estes estudos, pois só em 1883, já depois da morte de Carlos. Ribeiro e da nomeação de Nery Delgado para o lugar de Chefe de Secção dos Trabalhos Geológicos, foi por este engenheiro encarregado oficialmente do estudo de todos os terrenos mesozóicos.

Pensando demorar-se apenas três meses em Portugal, tal, foi o interesse que o estudo dos nossos terrenos lhe mereceu que aqui se estabeleceu definitivamente e passou a maior parte da sua vida.

Durante quarenta anos deu à geologia portuguesa o melhor do seu esforço tenacíssimo, metódico, autorizado e probo. Fez mais do que isto, deu, como homem da ciência, como cidadão e, como chefe de família um exemplo digno, de respeito e gratidão. Integrando-se na sua pátria de adopção tornou-se nela uma individualidade de prestigio consagrado, um dos vultos que no domínio da ciência mais assinalados serviços prestou a Portugal que estimava, pois até nas suas críticas mais azedas contra casos e cousas portuguesas contemporâneas se podia adivinhar facilmente como filão rico de ouro nativo em rocha incrustante, o amor que lhe merecia o pais.

Seria longa a enumeração de todas as obras publicadas por Paul Choffat e prolixa a sua análise, aliás de todo o ponto desnecessária, para acentuar o mérito do seu autor. Basta lembrar que Choffat recebeu dos homens de ciência mais iminentes do seu tempo a devida consagração como notável geólogo.

Recordaremos algumas. No período anterior à sua vinda para Portugal, escreveu diversos trabalhos referentes especialmente á paleontologia e estratigrafia dos terrenos jurássicos franceses e Suíços, entre os quais são dignos de menção: “Sur les couches acanthicus dans le Jura occidental” e “Sur le Callovien et l’ Oxfordien dans le Jura”, publicados respectivamente nos tomos III e IV da Sociedade de Geologia de França.

Nos anos que se seguiram à sua entrada para os Serviços Geológicos, a actividade científica deste geólogo, manifestou-se em memórias e comunicações publicadas por aqueles serviços e em escritos dados à luz em diversos jornais científicos nacionais e estrangeiros.

Entre eles avultam três estudos gerais, um sobre o Jurássico em 1880 e dois outros sobre o Cretácico em 1885 e 1900 e intituladas respectivamente “Étude stratigraphique et paléontologique des terrains jurassiques du Portugal – Le Lias et te Dogger au Nord du Tage”; “Recueil de Monographies stratigraphiques sur le système crétacique da Portugal – 1er. étude – Contrées de Cintra, de Bellas et de Lisbonne”; “Récueil de Monographies Stratigraphiques sur le système crélacique – 2éme. étude – Le crétacique au Nord du Tage”, a par de outros de menor desenvolvimento sobre os mesmos assuntos.

Neles estabeleceu a classificação estratigráfica de todas as assentadas secundárias, descrevendo as suas faunas, a sua composição litológica e as suas fácies. Cabe-lhe a honra de ter sido o criador do Lusitaniano, actualmente aceite por todos os geólogos e, de ter descoberto o Batoniano, o Senoniano e feito a separação entre o Triássico e o Infralias.

A tectónica também não foi descurada, tendo feito dois valiosos estudos, um sobre os vales tifónicos e outro intitulado “Essai sur la techonique de la chaine de l’Arrabida” e o levantamento da carta tectónica do pais.

Os trabalhos sobre geologia aplicada, conquanto menos numerosos, nem por isso deixam de ser menos importantes, sendo dignos de menção o seu “Etude géologique du Tuneau du Rocio” em que teve a alegria de ver confirmadas pelos trabalhos, todas as previsões que apresentava; os estudos sobre as águas de alimentação de Lisboa, Guarda, Guimarães, etc.; sobre as águas minerais das regiões mesozóicas, que na opinião de muitos geólogos constituem o melhor trabalho de hidrologia baseado na geologia, publicado até hoje.

Estava continuamente sendo consultado sobre toda a espécie de trabalhos que se relacionavam com a geologia, procurando sempre com a maior honestidade profissional responder a estas consultas, indicando ao mesmo tempo a melhor maneira de executar as obras.

Um dos trabalhos mais interessantes realizados sob as suas indicações foram as sondagens feitas nos maciços cretácicos de Abelheira e de Pedra. Furada (Sabugo), onde se encontraram caudais de águas subterrâneas a 330 e 380 metros de profundidade.

A, publicação de cartas geológicas, mereceu-lhe sempre. uma particular atenção. Assim, de colaboração com Nery Delgado, procedeu ao, levantamento da carta geológica do pais, que viu a luz em 1899 e que veio a substituir a que tinha sido publicada em 1876 por Carlos Ribeiro e Nery Delgado. Além disso devem-se-lhe, muitas outras cartas regionais, como a dos arredores de Leiria, da Arrábida, das serras de Buarcos-Verride, de Montejunto, etc. e, mais recentemente uma série de outras, na escala 1:20.000, levantadas sobre as folhas do mapa do Estado maior, que todavia ainda não foram publicadas. Tinha em preparação também a “Description géologique du Portugal”, para a qual havia recolhido já muitos dados em excursões que frequentemente realizava, com cortes, perfis, cartas, fotografias, etc., mas quê infelizmente não chegou a concluir por se lhe terem agravado os padecimentos que o vitimaram.

Produtos também da sua autorizada pena, muitas revistas e jornais encerram vários artigos de grande valor científico e sobretudo de grande utilidade, porque Choffat cuidava incessantemente nos seus escritos de tornar a ciência acessível ao maior numero, obtendo-se dos seus ensinamentos os mais profundos resultados.

Não procurando nem ambicionando veneras e distinções honoríficas, foi todavia condecorado em 1892 com o grau de Comendador da Ordem de Izabel a Catholica e em 1896, com igual grau da Ordem de S. Thiago, distinção nesse tempo muito considerada e muito pouco vulgarizada em Portugal.

Em 1892 a Universidade de Zurique concedeu-lhe o titulo de “Doutor honoris causa” e em 1900 foi-lhe conferido pela Sociedade Geológica de França e pela primeira vez a um estrangeiro uma das suas maiores recompensas, o prémio Viquesnel.

Paulo Choffat possuía além disto os seguintes títulos científicos: sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, da Real Academia das Ciências de Madrid, da Sociedade Geológica de Londres, da Real Academia das Ciências e Artes de Barcelona, do Instituto de Coimbra, da Academia das Ciências e Belas Artes de Besançon, da Academia das Ciências de Portugal, da Real Sociedade Espanhola de Ciências Naturais de Madrid, da Sociedade de Historia Natural de Basileia, da Sociedade de Geografia de Genebra, da Sociedade de Historia Natural de Toulouse, da Sociedade de Agricultura, Ciências e Artes de Argen; membro da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses. da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, da Sociedade Jurássica de Emulação de Porrentruy, da Sociedade de Emulação do Jura. Sócio honorário da Sociedade Belga de Geologia, Paleontologia e Hidrologia da Sociedade de Física e Historia Natural de Genebra, da Sociedade Helvética de Ciências Naturais, da Sociedade de Química e História Natural de Zurique, da Sociedade Russa de Mineralogia e da Sociedade de Ciências Naturais de Lauzane.

Esposo dedicadíssimo e pai ao mesmo tempo austero e carinhoso teve a felicidade de encontrar sempre no lar uma justa compensação ás agruras e aos desfalecimentos da sua vida publica e de morrer docemente rodeado pelo carinho dos seus, a quem tinha tanto amado e que souberam compreender as suas aspirações.

O seu passamento ocorrido em Lisboa, a 6 de Junho de 1919, deixou um vácuo profundo e que por muito tempo não será fácil preencher e um exemplo difícil de imitar.

Apesar de estrangeiro, Portugal perdeu nele um dos seus mais prestantes e valiosos servidores e a ciência, um dos vultos mais notáveis cujo nome ficará gravado nas paginas imorredouras da sua história.